No início do século passado, antes da disseminação das cercas no Mato Grosso do Sul, uma profissão singular floresceu: a do “juiz de vaca”. Em tempos onde o gado de diferentes fazendeiros pastava livremente, esses peões especializados eram mestres em identificar a qual proprietário cada animal pertencia, pacificando potenciais disputas.
O mês de agosto, marcado pelo nascimento de bezerros, representava o auge da complexidade desse trabalho. Os “juízes de vaca” precisavam distinguir os filhotes em meio à vastidão da pastagem, confiando em sua memória prodigiosa para associar cada recém-nascido ao seu respectivo dono. A história preservou o nome de Austrílio, capaz de separar cem bezerros para dez proprietários distintos, e de Anísio, considerado o maior especialista da região da Vacaria.
A habilidade desses profissionais era facilitada pela diversidade de cores da pelagem do gado da época, uma mistura de raças como curraleiro, china e franqueiro. Os animais apresentavam pelagens como “araçá, macaru, osco, baio, jaguarês e brazino”, facilitando a identificação individual. O manejo do gado, incluindo a marcação com ferro e a seleção para a venda, era feito nos rodeios, com a habilidade no laço substituindo a necessidade de equipamentos como troncos e bretes.
A chegada do gado Nelore, com sua pelagem uniforme, marcou o declínio dos “juízes de vaca”. A dificuldade em distinguir os animais levou à necessidade de cercar as propriedades, selando o fim de uma era e de uma profissão intimamente ligada à história do Pantanal.