“Frio: um poema de Antônio Carlos Ruiz”, por Jones Dari Goettert

Antônio Carlos Ruiz é um dos principais poetas douradenses. Seus poemas versam o mundo, seus amores e suas dores, suas estações eternas e suas efemeridades, suas gentes, sobre cada uma e cada um de nós.

Já ouvi do próprio Antônio Carlos que muitos de seus poemas são escritos no meio da noite – penso, nas madrugadas silenciosas, em Dourados, a maioria quentes, mas nem sempre…

Imagino então alguém levantar em um desses momentos e compor um poema simples, mas imensamente denso, de um “clima” ele mesmo também ambíguo entre o frio de fora e fervor de dentro.

“Faz frio, / Arrepio da alma”: o frio toca mais que a pele, o corpo; é a condição interior, invisível, única, particular, que voa do ser para o universo e vice-versa. Um frio de alma arrepiada. Como se um “frio espiritual” se achegasse junto com o frio da manhã ainda escura, muito escura.

Se faz frio “lá fora”, a lembrança de um beijo ferve o sangue, acalmado pelo vinho que junto com o beijo adoça a boca!

Que frio é esse? Que manhã é essa?

Os opostos se constroem então, e o inverno parece querer o verão. A ausência, a presença. Mas também os encontros simultaneamente em saudades e em espera: “O corpo no corpo, / O abraço no abraço. / O olho no olho”… Tudo trazido por um frio, por um fio de tempo que “a chuva traz”, finda o poeta.

Findado o poema, permanece o frio, mas agora não mais apenas em sua condição meramente climática, mas atravessado por uma poesia que torna sensível a alma antes um tanto congelada, distante. O frio, então, já não mais “se expressa” como exterioridade, e sim como um interior de lembranças e de saudades.

(Uma leitura do poema “Frio”, de Antônio Carlos Ruiz. Coletânea Baú das Inspirações. Movimento Nacional Elos Literários. Coordenação de Pérola Bensabath. Porto Alegre: Alternativa, 2005, p. 168.)

*Reitor UFGD